Escola Baiana e a Literatura Brasileira propriamente dita
Este novo período, o Século XVII, está marcado por uma inclinação de acontecimentos, podendo ser verificados através da Literatura local as aspirações e os desejos da sociedade que ali se formava e que se estendem por longos períodos. Podemos até elucidar a idéia de “Literatura local”, pois é nesse exato momento na história do Brasil que se torna capaz de afirmar uma literatura nacional propriamente dita. Isto é, o surgimento de uma cultura literária formada por brasileiros de nascença, com seus traços e particularidades fundamentais para uma expressão positiva do estado emocional e intelectual. Além disso, veremos subsequentemente, o início dos embates internos que, não obstante, os sentimentos nacionais afloram-se juntos em busca de um objetivo em comum.
Cabe a assinalar, superficialmente, tal situação. O despontar do sentimento nativista, revelado nas lutas contra invasores estrangeiros – holandeses – desencadeando sua enfim expulsão de Pernambuco está muito bem retratada na obra do frei Vicente Salvador em “História do Brasil”. Segundo Capistrano de Abreu no prefácio à edição da “História do Brasil”, tal obra só tem “história” no título e em algumas particularidades abordadas, e que o livro era mais de histórias do Brasil do que de “História do Brasil”. Na obra, Vicente Salvador abarca um período de cento e vinte e sete anos (1500 – 1627) e divide-se, ao todo, em cinco livros. De todo o modo, a visão do “nacional” e a afeição entusiástica pela terra do “novo mundo”, presenteavam o enfim início de uma postura mais autêntica da literatura brasileira.
Logo, Vicente Salvador não possui somente um valor historiográfico, como também literário. Basta realçar que, por ter sido o “primeiro filho do país” que se dedicou ao gênero referido, foi também o primeiro prosador do Brasil, contendo um estilo pitoresco agradável de ler-se. Utiliza, quase sem precedentes, expressões populares que dão uma pequena amostra das leituras e visões de mundo da época. O autor, ainda, era versado na literatura latina, sagrada e profana, na literatura portuguesa e também sabia espanhol. Quando voltou de Portugal, talvez para imprimir a sua obra, travou relações com o erudito português Manuel Serevim de Faria, franqueando-lhe a sua biblioteca.
Outro nome importantíssimo desse período é o padre Manuel de Morais que, infelizmente, há uma tensão de sua naturalidade; Manuel Bandeira, por exemplo, cita-o como “natural de São Vicente o qual, ao ser expulso do Colégio Jesuíta, embarca para a Europa”; No entanto, Silvio Romero aponta-o como “natural de São Paulo”. De todo o modo, todas as fontes indicam que ele nasceu no Brasil e impulsionou crescimento da literatura, sendo isso que nos interessa.
Varnhagem em “História Geral do Brasil”, a respeito do Padre Manuel de Morais, diz:
“Fizera-se calvinista e se casara com mulheres desta seita, pelo que já fora queimado em estátua na Inquisição de Lisboa, no ato de 16 de Abril de 1642: apresentando-se arrependido aos restauradores de Pernambuco, e sendo por estes recomendado à corte, foi condenado a hábito perpétuo, sem remissão com fogos, e suspenso para sempre das ordens, no ato de 15 de dezembro de 1649, em que saíram condenados por judaísmo mais cinco moradores de Pernambuco.”.
De todo modo, sabe-se que escreveu uma “História da América”, a qual foi muito gabada por João de Laet; mas até hoje ainda perdida.
Esses dois primeiros autores citados intercorrem-se no contexto do crescimento do sentimento nacional. Em todos estes fatos, o aspecto “racial” pouco importava. O entrelaço de africanos, indígenas e portugueses, já se tornara uma realidade. Tal interesse, agravando a dramaticidade, expressa uma luta de duas forças antagônicas, combatentes uma à outra, podendo ser consideradas diametralmente inimigas e que, no entanto, julgavam-se aliadas e amigas contra um mal maior. Os dois grandes representantes de ambos os lados são o Padre Antônio Vieira e o poeta Gregório de Matos. E eis que surge, portanto, a Literatura Brasileira propriamente dita.
Gregório de Matos nasceu na Bahia, a 7 de abril de 1623 (Segundo Varnhagen, 1633). Batizou-se no dia 15 do mesmo mês, com o nome de João, que o prelado D. Pedro da Silva Sampaio mudou para “Gregório”. Sua família era muito rica. Seus pais possuíam fazendas e cerca de 130 escravos; viviam largamente. Feitos os primeiros estudos, seguiu o poeta para Coimbra, onde se formou em Direito.
“Desde então fêz nome como lirista e satírico. Já nesse tempo dizia dele Belchior da Cunha Brochado: ‘Anda aqui um estudante brasileiro tão refinado na sátira, que com suas imagens e seus tropos parece que baila Momo às cançonetas de Apolo.’ Doutorado, partiu Gregório Guerra para Lisboa, onde exerceu a advocacia. Foi ali também juiz do crime e curador de órfãos. Mereceu grande fama como jurista; Com promessa de um lugar na Suplicação, quis o monarca da época enviá-lo ao Rio de Janeiro a devassar dos crimes de Salvador Correia de Sá e Benevides. O poeta rejeitou. Mais tarde decaiu das graças do soberano e retirou-se para o Brasil. Fêz viagem com Tomás Pinto Brandão, bispo da Bahia, que o levou consigo, conferindo-lhe os cargos de vigário-geral com ordens menores e tesoureiro-mor com murça de cônego. Nesse tempo passara-se também para a Bahia o Padre Vieira” (ROMERO, Silvio, em “História da Literatura Brasileira” pág, 374. Ed 6. 1960).
Com isso, há de perceber sua fortíssima importância dando a entender que Gregório de Matos é – ou deveria ser – o fundador da nossa literatura. A base da nossa é o sentimento do brasileiro, como nação à parte, como produto étnico determinado; os elementos são as tradições das três culturas difundidas sem predomínio de alguma sobre a outra; os órgãos seriam os nossos mais notáveis talentos, todos aqueles que se sentiram brasileiros.
Mas a grandeza de Gregório de Matos não para por aí. Apesar de, em sua vida pessoal ter descuidos, o poeta nunca deixou o prazer pela música, o gosto de viver próximo a quem quer que fosse. O lirismo utilizado é simples, espontâneo no fundo, e um pouco alterado pelo cultismo amaneirado da época; Como, por exemplo, nos versos de “A Morte de uma senhora”:
“Morreste, ninfa bela,
Na florente idade;
Nasceste para flor,
Como flor acabaste!
Viu-te a alva do berço,
A véspera no jaspe;
Mimo fôste da aurora,
E lástima da tarde.
O nácar e os alvôres
Da tua mocidade,
Foram senão mantilhas.
Mortalha a teus donaires.”
As sátiras – quase espelhos de sua vida – vingavam-se de tudo e de todos. Fosse contra portugueses e brasileiros, negros e mulatos, brancos que se presumiam de fidalgos, e até os indígenas não foram perdoados.
Não há muito espaço para assinalar muitas descrições de sonetos, mas de todo o modo é percebível, através dessa amostra, um belo lirismo. Naquele tempo não houve outro poeta que se avantajasse, dentre os da língua portuguesa, a Gregório de Matos. O que, não obstante, jamais impediu um contato muito próximo com outros; Manuel Botelho de Oliveira, autor de um poema descritivo intitulado “A Ilha da Maré”; Eusébio de Matos, irmão de Gregório; e os padres Antônio de Sá ficaram conhecidos – assim como disse o Silvio Romero – como o grupo chamado “A Escola Baiana”.
A Escola Baiana não se determinou, propriamente, uma Escola in lato sensu. Mas, os poetas, cronistas e oradores do grupo conseguiram formar, embora as dificuldades da influência do “meio”, uma espécie de organização literária que fortaleceu a cultura e o sentimento nacional de uma forma esplêndida.
Apesar de esse tempo proporcionar grandes autores e o surgimento da literatura brasileira propriamente dita, não foi um século – comparando-o com o anterior – de grandes e memoráveis produções. Houve pouquíssimo crescimento quantitativo e, em suas linhas cronológicas, os autores somem durante anos e só voltam depois de algum tempo. Todavia, foi um momento essencial na Literatura, que não pode ser esquecido ou jogado de lado pela ausência de alguns fatores e momentos memoráveis. Afinal essa é a conjuntura que resplandece o século posterior (XVIII) e o sentimento nacional, naquele momento, aflora-se e cresce de uma maneira jamais vista antes.
História da Literatura Brasileira (Século XVII)
Por: Lucas Emmanuel Plaça