A Literatura
Ao falarmos de “História” remete-se à nossa mente diversas coisas como Política, Filosofia, fatos, guerras, Ciência, etc. Isso porque, numa investigação do histórico, torna-se muito fácil encontrar dados que exemplifiquem a máxima e a conclusão dos acontecimentos. Já quando é pensado pelos historiadores a “História da Literatura”, muitas vezes tende-se a procurar resoluções de efeito, consequência e as conclusões que nela habitam. Como, por exemplo, um “manual de literatura” que indique suas principais características, ou alguma obra poética que possa ser distinguida perante as outras. O que, de certa forma, não está incorreto.
No entanto, para prosseguirmos com os relatos de literatura e sua história, é preciso compreender, de antemão que, a Literatura Universal – enraizada em sua própria estrutura – não se trata de algum “efeito econômico” ou “efeito político” como muito dos historiadores optam por pensar. Que, na verdade, é exatamente o inverso? Quando o leitor se deparar com alguma obra literária – seja por trechos citados por aqui ou pela prática da leitura propriamente dita – perceberá que esse estilo é a expressão da conjuntura individual mediante as diversas convivências explicitadas no todo acontecer.
Isso nos quer dizer que, ao invés de enxergarmos a Literatura como obra econômica ou política – pelo simples fato de irmos contra a própria expressão do que se compreende como literature – temos de vê-la pela sua constituição íntima, pela sua realidade. Ora, podemos explicitar alguma literatura que tenha sido produzida a partir de alguma aspiração política e/ou econômica? Não, pois, não é este estilo que se constituem na sua própria definição. É claro que há relações econômicas e/ou políticas dentro da literatura e que, não obstante, não é o princípio predominante que a impulsiona.
O que veremos a partir destes artigos é que a Literatura não é o efeito de alguma causa externa a ela. A Literatura, na verdade, é a expressão das causas, meios e efeitos que estão apresentadas no conjunto dos indivíduos, seja no âmbito público ou privado, agregando, a partir de toda a experiência humana, a partir das reflexões advindas dos indivíduos, mediante acontecimentos trágicos, dolorosos, difíceis ou felizes, revigorantes e gloriosos, em estruturas estilísticas que estimula seus leitores a apreciarem a realidade em toda a sua estrutura do real.
Daí a importância da Literatura para o estudo da História. Não há como teorizarmos perante fontes reais, mas há como retirarmos de toda a minuciosidade (informalmente falando) – quaseabismal –de uma obra literária, alguma relação real daquele momento que, por muitas vezes, nenhuma fonte primária apresentou.
A Formação da Língua Portuguesa no Brasil
Com a finalidade de absorver o máximo de informações a respeito da nossa língua, necessita-se a princípio dividir a cronologia temporal dos acontecimentos em duas partes. A primeira, definindo-se como “Colonial” e, a segunda, como “Nacional”. Mas, relembremos que, a autonomia que reside na literatura não deve alçar alguma confusão a respeito desta divisão que empregaremos e, a partir disso, pensar numa “literatura colonial propriamente dita” e/ou que a literatura cresceu/evoluiu no período Nacional por caráter político. Tenhamos em mente que não há nenhuma relação até este momento.
Das duas relações iniciais que se emprega na política, a primeira delas está inserida no aspecto da formação desta língua. A segunda, e como veremos de prova de que a política só pode interagir minimamente neste processo formal, se trata do cruzado de elementos silábicos, a formação da gramática, da morfologia e da sintaxe, e até mesmo a fonética e a semântica. Este acontecer da união das diversas línguas Africanas e Indígenas à Portuguesa tem sua corporificação pelas políticas portuguesas e a religião Católica (Jesuítas) e que, por consecutivo, o primórdio linguístico incorporado é de seu pretexto intrínseco. Isto é, por mais que as ações políticas fossem influentes, a formação desta língua do qual falamos e escrevemos não existiria se não fosse o lógico precedente da subsistência normativa de outras línguas.
O professor Sousa da Silveira, em seu trabalho “A Língua Nacional e seu Estudo” esclarece:
“Temos de afirmar que a nossa língua nacional é, em substância, a portuguesa, modificada na pronúncia, com leves e pouco numerosas alterações sintáticas, mas copiosamente opulentada no léxico pelas contribuições indígena e africana, e pelos produtos de criação interna.” (apud CARVALHO; NASCIMENTO, 1981, p. 99).
Com isso, obtemos agora uma noção mais ampla da situação inicial da língua portuguesa. A contribuição indígena tem início desde os tempos da colonização, por mediação dos padres catequistas e dos aventureiros que adentravam as florestas. Assim como podemos ver nitidamente nos documentos de Teodoro Sampaio que o “Tupí”, chamado de língua geral indígena, rivalizou com o idioma português por três razões. De todos esses motivosé que o tupí, mesmo vencido, logrou êxito na prevalência dos vocábulos geográficos (Pernambuco, Sergipe, Niterói, Andaraí, etc.), nos nomes próprios de pessoas (Iracema, Jací, Ubirajara, etc), nomes de animais (sabiá, jandaia, embira, jacarandá, mandioca, mandacaru, etc.), de frutos (jenipapo, ingá, araçá, cajá, caju, maracujá, oití, etc.), de comidas (muqueca, tapioca, pipoca, moquém, mocotó, etc.).
A morfologia portuguesa, então, aproveita do Tupí numerosos sufixos: Açú, mirim, rana (que corresponde ao “eidés” grego, significando “semelhante a”), era (“que foi”), tinga (branco), uma (preto), piranga (vermelho), etc. Também, dentro da sintaxe, se encontram vestígios da influência tupí no linguajar da população amazônica, como, por exemplo, a omissão do artigo definido, a palavra “porção” empregada pospositivamente’ como adjetivo, o diminutivo de formas verbais, etc.
Das línguas faladas pelos escravos Africanos – que também eram muitas – o que se predominou foram os vocábulos culinários como “nagô” ou “ioruba”, “quimbundo”, etc. (Curiosamente, o nagô tomou-se muitos termos da culinária – acassá, acará, acarajé, etc – e também do culto fetichista – xamgô, exú, canjerê, orixá, etc). Está registrada mais de 250 palavras do vocabulário aproveitados do “quimbundo” (bengala, marimbau, dengue, camundongo, etc.). Na morfologia, foi-se aproveitado de prefixos no diminutivo como a conjugação fora dos nomes próprios. No entanto, a sintaxe africana foi menos sensível a adentrar a língua portuguesa.
Um dos principais elementos de diferenciação entre português de Portugal e o português do Brasil, está na conservação dos empregos da preposição “em” com verbos de movimento (Vou na cidade); o pronome “lhe” usado como objeto direto (Não lhe vi); o pronome “ele” empregado como objeto direto (Vi ele). Já no campo da fonética as principais diferenciações estão o “e” mudo português que nós não temos; não pronunciamos “âi” o ditongo “ei”, por exemplo. Fazemos ditongo, pela adjunção da vogal “i”, nas vogais tônicas seguidas de “s” ou “z” (Rapaiz’, Luíz’, Atróiz’); alongamos o “i” tônico final da Primeira Pessoa do Singular do Pretérito Perfeito e da Segunda pessoa do Plural no imperativo dos verbos da terceira conjugação.
Isso tudo para que tenhamos uma mínima idéia da complexidade que está integrada na nossa língua. Além do mais, o mesmo objeto pode ser encontrado em denominações diversificadas de lugares, modos, e até dentro das conjugações que são diferenciadas de Portugal.
Investigando o crescimento deste novo linguajar, desta nova variação em sua diversidade linguística, não foi o meio físico brasileiro – isto é, a enorme extensão geográfica cuja ocupação aproximasse com a metade da América do Sul – que impediu a penetração quantitativa desse ligamento dos idiomas. Muito pelo contrário, mesmo pela qual a proporção montanhosa com diversidades físicas e regiões que aparentemente não proveriam de uma unidade nacional, a vulgarização do idioma Português propriamente dito junto com suas ligadas exclamações de outras línguas, definiram, aos poucos, um senso de língua geral, uma nova língua portuguesa.
Sílvio Romero – mesmo reconhecendo a dificuldade da fusão dos três elementos ligados ao idioma – foi o primeiro a tentar uma sistematização dos estudos sobre a literatura popular que, aos poucos, estava crescente. Dividindo-as por quatro categorias: 1 – Romances e xácaras; 2 – Reisados e cheganças; 3 – Orações e parlendas; 4 – Versos gerais ou quadrinhas. Todos eles enraizados nas fontes portuguesas, americanas, africanas e por fim mestiças. Isso, por sua vez, tratando-se da formação literária propriamente dita, estará mais detalhado posteriormente.
Século XVI (Período Colonial)
Uma das características mais fundamentais da Literatura, já pontuada precedentemente, se trata de sua exposição da realidade pela estilística da língua, cativando e clamando o leitor para apreciar seu contexto. A primeira que temos o dever de conhecer é a famosa “Carta de Pero Vaz Caminha” escrita em 26 de abril, datada em01 de maio, de 1500. Também conhecida e considerada como “a certidão de nascimento do Brasil”, expressa a chegada dos Portugueses na America do Sul, Brasil, junto com toda a apreciação sentida por eles perante o povo nas margens da praia. Aquela impressão sentida confirma-se em 1531 no Diário de Pero Lopes de Sousa:
“A gente deste rio (Rio de Janeiro) é como a da Baía de todolos Santos; senão quanto é mais gentil gente. A esses e outro homens que aqui passaram no século do descobrimento a terra aparecia graciosa e rica: tão natural e favorável aos estranhos que a todos agasalha e convida (Pero de Magalhães Gandavo); Capaz para se edificar nela um grande império (Gabriel Soares de Sousa); tão temperada e conforme para a humana natureza, que bem se puderam largar as outras duas temperadas pelas incomodidades das injúrias que nelas faz a mudança dos tempos.” (apud BANDERIA, Manuel. 1940, p.268).
Voltando à Carta de Caminha, Pero Vaz Caminha procurou expressar a aparência daquele desconhecido povo (índios) e a própria terra, como, por exemplo, nas afirmações “a terra tem muito bons ares e os índios de bons rostos e bons narizes, bem feitos”. Destes pequenos trechos, é evidente de que os Portugueses estavam admirados – e não surpresos – com o que viam e que, não há evidências até aqui, como muitos historiadores tem a paixão de pontuar, que os Europeus se impressionavam fácil com o “novo”. A respeito disso, não há como aprofundarmos este assunto aqui, nos aspectos da Literatura em geral.
Nesse Século, tivemos grandes escritores que se preocuparam com aquele tempo e situação do descobrimento, como Gandavo, Fernão Cardim, Gabriel Soares de Sousa e o autorAmbrósio Fernandes Brandão dos “Diálogos das Grandezas do Brasil” (atento-me ao autor Ambrósio Fernandes, pois ainda circula aquela discussão sobre quem escreveu esses diálogos).
Um dos primeiros e importantes escritores que compreendiam a necessidade de espalhar a notícia a Portugal, confirmando de que as terras eram de ótima qualidade, Pero de Magalhães Gândavo (1540 – 1580) é autor do famoso livro "História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil", editado em Lisboa, por Antônio Gonçalves, em 1576. Gândavo escrevera anteriormente o "Tratado da Terra do Brasil" (conhecido hoje na edição de Emmanuel Pereira Filho) e o Tratado da Província do Brasil. Os dois textos foram reunidos mais tarde, dando origem à História da Província de Santa Cruz.
“Minha intenção não foi senão denunciar em breves palavras a fertilidade e abundância da terra do Brasil, para que esta fama venha à notícia de muitas pessoas que nestes Reinos vivem com pobreza, e não duvidem escolhê-la para seu remédio”. (GANDAVO, Pero de Magalhães. 1576, em Tratado da Província do Brasil, prólogo).
O padre jesuíta Fernão Cardim (1540 – 1625), que escreve em 1583 a “Narrativa epistolar de uma viagem a Baía, Rio, Pernambuco”, fora outros escritos como “Do princípio e origem dos índios do Brasil”, evidencia a partir deles informações sobre as condições de vida na colônia, mostrava-se sensível ao encanto da natureza brasileira descritas com um viés Pitoresco (idéia estética crescente do Romantismo) e Realista. Podemos enxergar, através de Fernão Cardim (apud BANDEIRA, Manuel, 1940, p. 269) que o Brasil tinha “uns dias formosíssimos, tão aprazíveis e salutíferos que parece que estão os corpos bebendo vida. Tudo são serranias e rochedos espantosos...”.
Destarte, podemos descortinar que, mesmo existindo aquela impressão de que a Literatura se trata apenas de alguma ficção, através de Fernão Cardim e Pero de Magalhães é evidente de que se trata de algo muito maior e profundo ao buscarem a realidade natural do Brasil.
Outro precursor importantíssimo deste período, o autor do “Tratado descritivo do Brasil” (1587), Gabriel Soares de Sousa, reproduz num largo delineamento a fertilidade grandiosa das terras brasileiras através de uma autorização vinda da Corte de Madrid para adentrar uma exploração minuciosa no interior do Brasil, no intuito de repassar certeza no cultuo de uma terra estonteante.
A Companhia de Jesus, que desempenhou um papel importante nas colônias, foi uma das ordens religiosas Católicas vindas ao Brasil como elemento moralizador e educador (Veja mais nos artigos “História da Educação Brasileira” cuja catalogação é mais profunda). Para que eles pudessem realizar a catequização, precedentemente tinham de alcançar a língua Indígena, compreendê-la e abarca-la dentro de algum manual com a finalidade de conseguir abrir algum diálogo mais profundo. Em função disso, os Jesuítas foram os pioneiros essenciais na classificação escrita das línguas indígenas e que, também por consequência, os historiadores recorrem até hoje aos trabalhos jesuíticos para conseguir considerar de forma mais clara e diversificada os próprios índios. Dentre eles, o padre José de Anchieta (1534 – 1597) é o mais notável. Quando o padre Manuel da Nóbrega enviou-o para São Vicente – para ensinar as primeiras letras aos filhos dos reinóis – percebe-se, dentro de toda aquela iniciativa, a necessidade e a conclusão lógica de entender e falar o Tupí com perfeição, realizando, por fim, a tradução do Catecismo ao novo idioma.
Com os notáveis lirismos de Anchieta, o padre Serafim Leite, em sua obra imperdível “História da Companhia de Jesus” transcreve-as comentando que “elas unem ao pensamento teológico da graça uma sugestão de eucarística do mais puro lirismo”:
“Cordeirinha linda,
Como folga o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.” (Unção de pensamento para Santa Inês).
Aprofundando-se no padre Anchieta, é percebível em suas cartas – escritas em latim – sua relevância ao descrever e distinguir a fauna, a flora e a etnologia brasileira. Manuel da Nóbrega, ainda ao lado dele, foi um dos principais a assinalar o estudo do Tupí, para o qual verteu trechos da Bíblia, artigos da Fé, orações, entre as quais o Pai-Nosso.
Há ainda Bento Teixeira que, por investigações históricas realizadas, remete-se a pensar que seja o “Primeiro Poeta filho do Brasil”, assim como oferecido no prólogo de um poema de Jorge de Albuquerque. O que, não obstante, ainda carece de dúvidas perante a documentação de Rodolfo Garcia, historiador, assinalado em “Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil” (Denunciações de Pernambuco), que dizia não haver algum Bento Teixeira instruído e capaz de escrever um poema em Pernambuco naquele tempo e que o “verdadeiro” Bento Teixeira apenas lecionava.
Com isso, podemos situar a seguinte proposição: Necessitamos de uma investigação histórico-documental para desvendar o desaparecimento de fontes confiáveis que, feito isso, nosso horizonte de possibilidades historiográficas a respeito da Literatura no tempo da Colônia se estenderá proporcionalmente. O autor de “Diálogos das Grandezas do Brasil”, as inexatidões de Bento Teixeira, o imbróglio da linguagem indígena e seus idiomas diversificados, etc. Os historiadores e antropólogos Europeus, por exemplo, efetivam e ainda fazem esforços sobre-humanos para desvendar sua percepção do passado e encontrar documentações e fontes originais. No Brasil, porém, as maiorias dos historiadores ainda estão viciadas no veneno da “Historiografia Universitária”, barrada por interesses políticos e aspirações meramente superficiais de credo ideológico...
Só assim para termos uma leve noção da complexidade que se atua na História atual, cujo preceito mais importante, como a de buscar o máximo da realidade histórica de nossos primórdios junto com a ilustre Literatura, é barrado por funções anti-gnose’s.