Por muito tempo, em influência cotidiana de visões positivistas educacionais e analíticas, permaneceu aquela percepção da educação, não como forma de engrandecer a vida intelectual e em sua forma expressiva de convivência, mas como meros caprichos complementares que necessita de bases econômicas sólidas para o engrandecimento da alta cultura posterior. O que tem certa concordância com a realidade, mas não se trata somente disso (desculpa amigos liberais). De início, para compreendermos o estado educacional histórico, precisamos de uma redefinição – em termos contemporâneos – e/ou resgate da definição mais ontológica possível de cultura.
Alta Cultura
Nós sabemos que em contextos históricos a prevalência estrutural para a educação se dê por três níveis, assim como diz OtaizaOliveiroaRomanelli em seu livro “História da Educação no Brasil”:
“A primeira delas é a de que a forma como evolui a economia interfere na evolução da organização do ensino [...] A segunda constatação relaciona-se com a evolução da cultura, sobretudo da cultura letrada [...] A terceira constatação tem implicações com o sistema politico. A forma como se organiza o poder também se relaciona diretamente com a organização do ensino [...]” (Página 14).
Dois destes três níveis, muitas vezes em nossa história, se prevaleceu e ultrapassou seus limites e dessa forma desequilibrando a estrutura natural da forma de ensino. A economia e suas aspirações ligadas à sociedade, e a política – sobretudo suas influências ideológicas – ligadas ao movimento real de interesses subjetivos e partidários.
Normalmente em sociedades civilizadas este desequilíbrio que gera a inversão do real alcance e objetivo prático da educação, simplesmente não existe, pois sua cultura se apresenta resistente e forte o bastante para conter os dois blocos influentes. Em todo caso, a alta cultura da Europa, por exemplo, apresentada e muito bem documentada em obras literárias – que visam o compartilhamento e realce de experiências práticas dos indivíduos e grupos – conseguiam condensar/sintetizar alguns elementos que moldavam discernimentos.
Isso, por sua vez, mostra a função básica da cultura: Saber o que se passa o que é a experiência humana real e que de algum modo condensa os símbolos e elementos artísticos em sínteses imaginativas. Sem a síntese literária num país, as ciências humanas e políticas se tornam coadjuvantes da ereção do problema, afinal existe somente a utilização de conceitos já prontos e estereotipados da sociedade. É evidente de que isso se trata, por exemplo, das análises marxistas, liberais, positivistas e até as mais subjetivas como as da Escola dos Annales. A partir disso só resta conclusões mais errôneas e interpretações de conjunto inexistentes. Encaramos, portanto, um problema muito forte e ao mesmo tempo precário em essência que, não só impossibilita a compreensão ontológica da sociedade por meios filosóficos, como também restringe a margem de análise que podemos realizar perante estes conceitos pré-concebidos.
Por essa razão, no decorrer da história da educação e em busca de seus elementos mais elementares, apelarei à literatura mais honrosa brasileira – e até estrangeira dependendo das possibilidades subsequentes – para conseguir repassar a análise.
Companhia de Jesus/ Jesuítas
A Europa daquele momento vivenciava um acontecimento histórico que definiu, quase que inteiramente o futuro das religiões cristãs a divisão interna do Cristianismo conhecida como Reforma Protestante (1517). Pelo incontável crescimento protestante, a Igreja Católica percebeu que sua influência poderia estar comprometida e deveria tomar alguma providência interna e externa, alavancando as chances futuras da realização da Companhia de Jesus (Reforma Católica) adentrar o Brasil em função do contexto da Contrarreforma. Momentos memoráveis da educação brasileira não podem ser apagados, por isso sempre há uma apelação ao discurso rasteiro de determinadas circunstâncias históricas. Os Jesuítas da Ordem Religiosa fundada em 1534 em uma Universidade de Paris, já eram os pioneiros da educação brasileira na íntegra, chegando ao Brasil em 1550 por Manuel da Nóbrega (1517 – 1570). No entanto, segundo fontes diversificadas, como no livro “Noções de História da Educação” de Theobaldo Miranda Santos, diz que chegaram um ano antes:
“Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil com Thomé de Souza, em 1549. Eram todos portugueses, sendo quatro Padres – Manuel da Nóbrega, Aspocuelta Navarro, Leonardo Nunes e Antonio Pires, e dois Irmãos – Vicente Rijo ou Rodrigues e Diogo Jacome. Assim que desembarcaram na Bahia, os jesuítas trataram logo de fundar escolas. Por isso, pouco tempo depois, vamos encontrar Vicente Rodrigues, em S. Salvador, ensinando a ler, escrever e contar a vinte meninos.” (Página 550).
Assim como relatado no livro, alguns historiadores entendem que antes desta escola, estaria em funcionamento outra em S. Vicente, sob a direção de Leonardo Nunes, o primeiro professor do Brasil. Houve outras chegadas em 1550 com mais quatro jesuítas – Manuel Paiva, Afonso Braz, Francisco Pires e Salvador Rodrigues que traziam sete meninos órfãos para ajuda-los na catequese. Em 1552, escolas em S. Salvador, Espírito Santo e S. Vicente já residiam escolas com quantidades de alunos muito grandes, onde eram ensinados rudimentos de latim e português.
Se tratando de grandes nomes em suas iniciativas, através dos relatos da compreensão da época, houve ali um grande desafio. A dificuldade não se restringia na falta de consenso dos líderes portugueses, em que a educação deveria receber para a expansão da vida intelectual, com as proibições de circulação de impressos, de tipografias, de escolas, sufocando toda e qualquer atividade ou manifestação possível de ser cultural. Portugal, até meados de 1550, só se importava em explorar avidamente as riquezas naturais do Brasil, sem cogitar o desenvolvimento cultural e civilizacional.
O outro problema se tratou da diversificação indígena brasileira que, por sua vez, sempre foi difícil e complicada para a compreensão, principalmente com a falta de recursos da época e que em seu contexto histórico mais aprofundado, várias tribos se diferenciavam por costumes, modos de guerra, alimentação, povoamento, etc. Nós sabemos que a maior preocupação dos Portugueses ao chegarem ao Brasil, não era a colonização em princípio, mas em ancorar próximo de tribos hostis e consequentemente arrecadar problemas. Por existir alguns relatos de determinadas tribos que praticavam o canibalismo na própria convivência, ou simples tribos verdadeiramente hostis, houve também o receio do Manuel de Nóbrega, em uma carta ao padre Simão Rodrigues (1510 – 1579) que representaria o comportamento de algumas tribos, e a dificuldade de comunicação.
Em uma carta de José de Anchieta – aquele que tinha um alto conhecimento cultural e intelectual – para Santo Inácio, nos mostra alguns dos problemas referidos aos seus espaços:
“Aqui estamos, às vezes, mais de vinte dos nossos, numa barraquinha de caniço e barro, coberta de palha, longa de quatorze pés, larga de dez. E isso, a escola, a enfermaria, o dormitório, o refeitório, a cozinha, a dispensa. Quando a fumaça da cozinha incomoda os professores e alunos, a lição prossegue ao ar livre; porque é preferível sofrer o incômodo do frio de fora, do que o fumo de dentro” (MIRANDA, Theobaldo Santos, em “Noções de História da Educação”. Ed. Pg 552).
Não há como pensarmos em choques culturais sem aceitarmos, também, a junção e mescla destas culturas completamente diferentes. Assim como os índios repassavam para os portugueses os conhecimentos de determinadas áreas, os jesuítas repassavam o conhecimento intelectual e religioso adquirido previamente. A tarefa não foi fácil, inclusive houve o fundamento teórico e prático “RatioStudiorum” (expressado por Plano sistemático associado à política católica) para ajudar, em conjunto de saberes, os Jesuítas a repassar a alta cultura aos índios.
O processo não era perfeito – e devido às condições da época nem tinha como ser – mas ao menos isso trouxe relevância para os primeiros passos do conhecimento no Brasil. Nossos antecedentes ainda estão presentes com força extraordinária, em que a representação educacional e sua prática se deem por conjunto de imagens, valores e idéias para sustentar suas fundamentações. Além de disso, também, realçar capacidades naturais dos índios, exercitando talentos inatos – como a prática da razão – e fortalecendo percepções metafísicas, como aspectos divinos que poucas tribos haviam tentado conceber.
Por tempos a catequização e o ensino dos jesuítas foram crescendo e expandindo a civilização brasileira. Sabemos que, através desses esquemas e modos de educação, os índios foram, cada vez mais, aprendendo técnicas de agricultura que antes não tinham, assim como diz Warren Dean (A ferro e fogo, Companhia das letras, 1996, página 47). Passaram a construir casas, constituíam famílias, e passaram a viver dentro dos princípios morais cristãos.
É necessário dizer que a relação entre Jesuítas e índios nem sempre foram graciosas e calmas. Como nós sabemos em uma rápida passagem em “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” de Leandro Narloch:
“Em 1646, os Jesuítas que tentavam evangelizar os índios no Rio de Janeiro tinham um problema. As aldeias onde moravam com os nativos ficavam perto de engenhos que produziam vinhos e aguardente. Bêbados, os índios tiravam o sono dos padres. Numa carta de 25 de julho daquele ano, Francisco Carneiro, o reitor do colégio jesuíta, reclamou que o álcool provocava “ofensas a Deus, brigas, ferimentos, mortes” [...] Para acabar com a indisciplina, os missionários decidiram mudar três aldeias para um lugar mais longe [...] Não deu certo. Foi só os índios e os colonos ficarem sabendo da decisão para se revoltarem juntos. Botaram fogo nas choupanas dos padres, que imediatamente desistiram da mudança. “ (Página 29).
Os projetos ainda aconteciam, mas nenhum período até o século XIX realçou a falta de universidades e cursos superiores, ou ao menos assim como deveriam ser tratados como os Monastérios da Idade Média no quesito de produções filosóficas, teológicas e intelectuais. A educação concebida pela época e devida suas circunstâncias contemporâneas, não se tratava essencialmente de uma “educação para a vida” que os Católicos já haviam concebido séculos anteriores. Os Jesuítas, neste contexto, expressam a necessidade da educação para a vida, que de certa forma continha suas partes religiosas e por sua vez alavancava o sentimento da vida, no entanto e por uma área mais tenra, o objetivo de catequização não foi estritamente este, mas também o de espalhar o catolicismo que a pouco estava se enfraquecendo.
É preciso ressaltar de que o modelo educacional empregado pelos Jesuítas, se não for o melhor, seria um dos melhores da época, visto que para realizar seus estilos pedagógicos, necessitavam de antemão a compreensão mais profunda possível de seus alunos (Índios). Muito se foi registrado a respeito de seus costumes e formas de convivência, comparado ao que os índios escreviam de si próprios. Afinal, a forma convencional de informações que os índios poderiam conceder se tratava de histórias orais. Não há muita documentação primária de suas relações, o que dificulta o trabalho da compreensão de suas línguas e até mesmo suas diferenciações. No entanto os Jesuítas foram os primeiros e os principais protagonistas nesse processo.
No século XVII, já havia um grande desenvolvimento cultural no Brasil, comparado ao que era antes. Este século, no mundo inteiro, se tratava de grandes acontecimentos nas áreas da filosofia, ciência entre outras que o catalogaram como “Século das Luzes”. O Iluminismo ainda não chegara ao Brasil. Marquês de Pombal só vai expulsar os jesuítas em 1759.
O que podemos já concluir é que, desde a Colônia o Brasil já enfrentava problemas de “anti conhecimento” vindo por parte dos colonizadores e de Portugal propriamente dito. Seja na área mais econômica, ligado aos espaços e condições de ensino, seja na parte política e também na parte cultural que, de certa forma, impediu o crescimento mais forte possível devido ao desequilíbrio das duas áreas anteriores. Mais adiante, veremos as influências Iluministas em nossa educação.
Por - Lucas Emmanuel Plaça.